A Lei nº 13.146/2015 – Estatuto da Pessoa com Deficiência trouxe profundas alterações na matéria relativa a incapacidade civil, ao introduzir o artigo 1783-A no Código Civil, que prevê a possibilidade de a pessoa com deficiência eleger, ao menos 2 (duas) pessoas, para ajudar-lhe a deliberar sobre os atos da vida civil. É a chamada Tomada de Decisão Apoiada, caracterizada por ser um modelo alternativo ao instituto da Curatela.
Na Tomada de Decisão Apoiada, a pessoa com deficiência recebe de seus apoiadores elementos e informações que lhe ajudarão a preencher a sua limitação. Para tanto, será necessário apresentar um termo de acordo que estabeleça os limites e os compromissos dos apoiadores.
Acerca disso, antes de se pronunciar sobre a homologação do pedido, o juiz, assistido por equipe multidisciplinar, após oitiva do Ministério Público, ouvirá pessoalmente o requerente e as pessoas que lhe prestarão apoio.
É certo que a Tomada de Decisão Apoiada não implicou no desfecho da curatela. Pelo contrário, ao lado desse instituto tradicional, o apoio veio simbolizar o fortalecimento do sistema de proteção às pessoas.
Sobre este aspecto, a doutrina de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald ensina que:
“as pessoas com deficiência não podem ser reputadas incapazes em razão, apenas, de sua debilidade. É que na ótica civil-constitucional, especialmente à luz da dignidade humana (CF, art. 1º, III) e da igualdade substancial (CF, arts. 3º e 5º), as pessoas com deficiência dispõem dos mesmos direitos e garantias fundamentais que qualquer outra pessoa, inexistindo motivo plausível para negar-lhes ou restringir-lhes a capacidade. E, muito pelo contrário, reclamam proteção diferenciada, de modo a que se lhes garanta plena acessibilidade, como, aliás, bem previsto na legislação específica. […] exclusivamente se não puder externar os seus desejos, a pessoa com deficiência pode ser considerada incapaz relativamente” (Curso de Direito Civil, Famílias, V. 6, 8ª edição, 2016, Salvador: Editora JusPodivm, pág. 910)
Ademais, apesar de o assunto ser recente, já é possível se deparar com algumas decisões dos Tribunais. Em uma delas, os Desembargadores paulistas concluíram que, mesmo uma pessoa idosa, deficiente física, com sequelas de AVC, não poderia ser considerada incapaz, a ensejar a Curatela, cujo regime é excepcional. Neste caso, a proteção poderia ser atendida por outros meios jurídicos mais adequados, tais como, a outorga de mandato, ou a própria Tomada de Decisão Apoiada[1].
O efeito disso é que a adoção do processo de Tomada de Decisão Apoiada passou de um singelo instrumento alternativo de custódia, para compor um caminho de inclusão social da pessoa com deficiência, que visa preservar sua cidadania, dignidade e igualdade com as demais pessoas, acerca dos atos da vida civil.
Portanto, o sistema de incapacidade civil foi significativamente alterado pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, pois, a partir desse novel Diploma, a jurisprudência deverá analisar o regime de proteção da incapacidade, que era total, como um sistema casuístico, aplicado excepcionalmente.
[1] “Curatela – Interditanda idosa, deficiente física, com sequelas de AVC – Ausência de incapacidade permanente ou transitória que afete a manifestação da vontade – Laudo pericial que aponta pela habilidade de prática dos atos da vida civil – Caso em que não se verifica incapacidade relativa, o que desautoriza o estabelecimento de curatela – Limitação de direitos da pessoa sobre sua própria gestão que, com a introdução das alterações realizadas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, se tornou medida excepcionalíssima – Hipótese em que outros meios jurídicos, como o mandato ou tomada de decisão apoiada, se mostram mais adequados à pretensão da filha sobre a genitora e gestão de seus negócios – Sentença mantida – Recurso improvido. (Relator (a): Eduardo Sá Pinto Sandeville; Comarca: Igarapava; Órgão julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 02/06/2016; Data de registro: 02/06/2016) – 0006290-33.2013.8.26.0242t